segunda-feira, 9 de abril de 2007

O grande apocalipse de metano

"The New York Times 18/04
Nicholas D. Kristof, do The New York Times
É uma noite escura e tempestuosa quando, no fundo do oceano, o solo lamacento começa a se remexer.
Lulas gigantes fogem horrorizadas enquanto os reservatórios de metano congelados no fundo do oceano começam a derreter, soltando bolhas que chegam à superfície. Logo o oceano está borbulhando e soltando gases como um bilhão de crianças superalimentadas, transformando a composição da nossa atmosfera.
Essa é uma cena de um novo filme de terror que eu estou imaginando que se chamaria “O Oceano Assassino”. Eu espero seja transmitido na Casa Branca e no Congresso, porque ele mostra um das mais bizarras formas nas quais o aquecimento global pode devastar nosso planeta – o que os cientistas chamam de “o arroto de metano”.
Uma vez que o presidente Bush está tranqüilo sobre os riscos convencionais da mudança climática, como a idéia de que nós em Manhattam acabaremos no fundo do oceano, tentemos vender o medo.
O metano é um gás de efeito estufa 20 vezes mais potente do que o dióxido de carbono. E centenas de gigatons de metano, o equivalente à quantidade total de carvão que existe no mundo, está no fundo do oceano na forma de sólidos similares ao gelo chamados hidratos de metano.
A grande questão é se o aquecimento global – que elevou as temperaturas em até meio grau Celsius nos últimos 30 anos – irá derreter parte destes hidratos de metano. Se isso acontecer, o metano pode ser liberado como um gigantesco arroto oceânico. Uma vez na atmosfera, esse metano irá acelerar o efeito estufa e aquecer a terra e aumentar os níveis do mar ainda mais.
“O cenário de filme de desastre mais saboroso seria a liberação de metano o suficiente para mudar significantemente a concentração atmosférica”, sugere o fórum de discussão sobre os hidratos de metano entre estudiosos no http://www.realclimate.org/.
Uma razão para preocupação sobre o apocalipse pelo hidrato de metano é que algo como isso pode ter ocorrido diversas vezes no passado. Por exemplo, há 251 milhões de anos, houve uma catástrofe conhecida como a extinção pérmia que quase extinguiu a vida na Terra. Não se saber com certeza o que causou a extinção pérmia, mas uma das teorias possíveis seria a do arroto de metano.
E já que estou vendendo medo, também há um aquecimento melhor compreendido, que ocorreu há 55 milhões de anos, conhecido como a Máxima Térmica Paleocênica-eocênica, ou PETM (para a sigla em inglês). Houve um período onde as temperaturas subiram até 4 graus nos trópicos e 7 nos pólos, e muitos cientistas acreditam que isso foi causado por um derretimento nos hidratos de metano.
“O evento PETM de 55 milhões de anos atrás provavelmente é o melhor exemplo do seu impacto apesar de haver eventos menores marcados através dos registros”, disse Gavin Schmidt, especialista da Nasa em mudanças climáticas. Ele enfatiza as incertezas, mas acrescenta que desde que devemos entrar em uma era climática que não é vista em milhões de anos, devemos nos preocupar com os hidratos de metano.
Para garantir isso, alguns especialistas estão céticos. Daniel Schrag, geoquímico de Harvard, dúvida que os hidratos de metano tenham sido os culpados pelo evento de 55 milhões de anos atrás. Para começar, ele afirma, a teoria não oferece uma boa explicação da mudança inicial que causou o derretimento dos hidratos de metano.
Apesar de toda a incerteza há algo importante nisso tudo: a história do clima mostra que não evolui vagarosa e graciosamente, mas que muda bruscamente. Há dicas, e se acompanharmos as reações em cadeia, então nossos líderes não poderão reclamar de terem sido avisados. Eles podem estar enviando nosso planeta em um retrocesso de, digamos, 10 milhões de anos.
A Casa Branca usou a incerteza cientifica como uma desculpa para sua paralisia. Mas nossos líderes devem criar políticas para nos proteger mesmo das ameaças que são difíceis de se precisar – e as mudanças climáticas devem ser consideradas ainda mais ameaçadoras do que um Irã bem armado.
Além disso, a incerteza ocorre de ambos os lados. A melhor suposição dos especialistas em clima é a de que o nível do mar subirá 60 centímetros até o ano 2010, mas se a calota polar derreter, só isso causaria o aumento do nível do mar em 6 metros.
Francamente, os riscos do aumento da temperatura e do nível do mar são muito conhecidos – mais do que as preocupações sobre um arroto de metano apocalíptico – isso nos deve levar a desacelerar a emissão de carbono.
Mas nosso sistema político não parece capaz de lidar com questões cientificas como o clima. Nossa única esperança por ações firmes seria uma ampla iniciativa global, liderada pelos Estados Unidos, de corte das emissões de carbono, mas a administração Bush já abandonou esta idéia.
O melhor motivo para uma ação global no aquecimento global continua a ser o imperativo básico para proteger nosso planeta em face da incerteza, e nossos líderes estão falhando nesta responsabilidade. Se precisarmos de um apocalipse para concentrar nossas mentes, então imagine nossos descendentes sentados no topo do Monte Ararat, ao lado da arca, nos amaldiçoando por iniciar o arroto de metano."

http://lba.cptec.inpe.br/lba/site/?p=oportunidade&t=0&s=6&lg=&op=408

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